Historia das Rendas
Historicamente, a renda pode ser muito antiga, caso esta seja considerada exemplo de algumas espécies de tramas de fios produzidas ainda no período neolítico. Porém, na forma de sua configuração atual, este artesanato têxtil é relativamente recente. É apenas entre os séculos XV e XVI que a história começa a apontar indícios de sua origem, com Flandres e Itália reivindicando sua paternidade. Flandres intitulando-se inventora da renda de bilros e a Itália pedindo a patente da renda de agulhas, da qual nasce a renda renascença.
Mesmo antes do século XV, em meados dos séculos XII e XIII, a história explora a possibilidade de a renda ter aparecido na Espanha e em Portugal, para onde os mouros a teriam levado.
Mas, nesse caso, não se trata da renda como viemos a conhecer por volta dos anos 1500, e sim de alguns tipos especiais de bordados e tramas desenvolvidos com maestria pelos árabes.
Ao se analisar atentamente a arte árabe, encontra-se semelhanças tipológicas entre esta e a renda produzida na Europa a partir do século XV. Seu estilo artístico é fundamentado em princípios religiosos e desaconselha qualquer representação da figura humana. Dentro dessa aparente limitação criativa, seus artistas desenvolveram muito as formas abstratas como linguagem para sua expressão visual, adotando a geometria, a caligrafia e os motivos florais como principais elementos de sua estética. Essa forma de representação imagética ficou conhecida como arabesco e foi largamente usada na decoração de prédios e artefatos
de uso cotidiano. Os arabescos árabes configuram tramas visuais complexas e rebuscadas, e essas tramas, quando comparadas morfologicamente com as tramas das rendas do século XV, apresentam vários aspectos semelhantes. Por isso, é provável a hipótese desta arte ter influenciado de algum modo a criação da renda européia.
As pioneiras investigações foram no sentido de produzir bordados com linha branca sobre fundos claros e em tecidos leves e transparentes, como tule e musselina. Em seguida, criaram a técnica de cortar certos espaços vazios do tecido entre os motivos bordados, vazando-se áreas estratégicas ao redor deste. Os italianos batizaram essa invenção de punto tagliato, os franceses de point coupé, ou seja, ponto cortado. Estava, nesse momento, dado o primeiro passo à criação da renda, e nascia também o que tempos depois ficou conhecido como a técnica para a produção do richelieu.
Após o ponto cortado, as experimentações dos artesãos continuaram e criaram o que foi chamado pelos italianos de fili tirani, e pelos franceses de fils tires, ou fios puxados. Esse processo consistia em retirar do tecido alguns fios, conservando apenas os necessários para estruturar e interligar os pontos e os motivos bordados. Esta técnica específica do desfio deu origem a um tipo especial de renda, conhecida no Brasil como crivo ou labirinto.
A esse bordado cortado e agora feito sobre tecidos propositalmente desfiados, os artesãos acrescentaram pequenas barras serrilhadas ao seu redor, para dar-lhe acabamento lateral e mais sustentação. Sem o fundo de tecido e com a barra ao redor o bordado já poderia ser considerado, praticamente, uma peça de renda.
Para estes novos pontos foram criados inúmeros desenhos de padrões para serem produzidos em diferentes modelos. Estes padrões popularizaram-se através dos livros de padrões, desenvolvidos e editados na Itália durante todo o século XVI.
As pesquisas para a feitura de novos pontos continuaram especialmente na Itália. Entre todos os pontos cortados criados, aquele que se apresentava como inteiramente novo ficou conhecido como ponto no ar. O que o divergia dos demais era o fato de ele não precisar de um tecido de base para ser executado, diferentemente do ponto cortado, no qual, embora o tecido praticamente desaparecesse após o desfio, ainda assim, só era possível de ser produzido tendo um tecido como base.
O ponto no ar era feito de maneira livre do tecido; isso possibilitou uma ruptura completa entre o bordado e a renda, a qual acabava de nascer. Em decorrência desta descoberta, é possível reconhecer a Itália como a grande responsável pelo invento deste novo artesanato têxtil. Mesmo assim, dentro do país passou a existir uma disputa entre as cidades de Ragusa e Veneza pela paternidade da criação deste ponto. Porém, Veneza veio a se tornar um centro bem mais famoso e respeitado na produção de rendas de agulhas, exportando tanto seu artesanato como seu conhecimento para outros países europeus.
O ponto no ar, após a fama de Veneza, também ficou conhecido como ponto de Veneza e começou a ser utilizado amplamente na França, juntamente com seus precursores artesanatos têxteis, como o ponto cortado e os fios tirados.
Mais tarde, na França, entre 1754 e 1793, as artesãs trabalharam para aperfeiçoar o ponto de Veneza e criaram o point de France, ou ponto da França, que logo consolidou a supremacia daquele país na produção de rendas de agulhas em toda a Europa. Este novo ponto era mais fino e trazia em sua composição formas mais rebuscadas de folhagens e arabescos, diferentemente dos padrões mais geométricos das rendas italianas.
A Itália procurou reagir ao crescimento do artesanato têxtil francês e Veneza criou o punto di rosa, ou ponto de rosa. Embora tenha sido descoberto em Veneza, outra cidade italiana, Burano, acabou por se tornar a sua principal produtora, mudando o nome de ponto de rosa para ponto de Burano.
Mesmo com o advento do ponto de Burano, a Itália não conseguiu reconquistar a antiga hegemonia na produção da renda de agulha, pois foi justamente o ponto da França que se propagou por toda a Europa. Com essa ampla disseminação, outros países se sentiram encorajados a também produzirem este novo e original artesanato têxtil, principalmente no espaço de tempo em que a França cessou provisoriamente a sua produção durante a Revolução Francesa.
Porém, além da Itália e da França, é importante verificar que outras nações contribuíram profundamente para a disseminação e consolidação da renda de agulha pelo mundo, e neste contexto pode-se reconhecer Espanha, Inglaterra, Islândia e Portugal, como países fundamentais no processo de divulgação da renda. Contudo, a França continua sendo decisiva para a implantação da renda renascença no Brasil, especialmente no estado da Paraíba.
Originalmente, a renda de agulha teve seu uso atrelado ao vestuário. Historicamente, a renda foi introduzida nas indumentárias entre os séculos XV e XVI como elemento decorativo que pudesse substituir o bordado. A diferença entre o bordado e a renda é bem clara. O primeiro é a aplicação de motivos sobre o tecido de forma que este se torne uno ao pano. O segundo, a renda, constitui-se em uma trama auto-estruturada independente de um suporte, no caso, o tecido. Assim, o bordado quando aplicado em uma peça de vestuário não pode ser retirado desta, diferentemente da renda. Com essa possibilidade de ser removível, este novo artesanato têxtil tornou-se uma das maneiras encontradas por homens e mulheres para diferenciar uma mesma peça de roupa nas diversas ocasiões de seu uso.
Divergindo dos dias atuais, em que prevalece a aplicação de renda em roupas femininas, inicialmente não foi exclusivamente nas vestimentas de mulheres que ela teve destaque, pois suntuosas peças desse artesanato foram produzidas para os trajes masculinos. Nesses séculos, durante o Renascimento, encontram-se vários personagens nobres usando renda em seus trajes, concedendo a esta um grau de sofisticação que ajudou em muito a difundila por toda a Europa.
Com o passar dos anos, a renda ganhou ainda mais destaque nas indumentárias, sendo empregada com magnificência, além de seu predomínio em golas, mas também em punhos e em lingerie feminina e masculina. Além desses usos, também foram usadas na ornamentação dos canos das botas altas, surgindo a moda dos canhões (ornamentos de rendas que se prendiam ao longo das pernas).
O uso das rendas foi de tal proporção que seu valor social em possuí-las era de elevado status, a ponto de a Igreja Católica proibir o uso excessivo desse artefato, embora também a Igreja a usasse em suas vestes eclesiásticas e na decoração dos altares.
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